Por Tony Kleeberg
TOCA RAUL
Nessa época eu já havia passado por dois trampos pelo menos, na Chevrolet e na DPaschoal, mas a idéia de viver trancado dentro de uma sala me deichava doido, trampei aquela temporada no Musical Tape, daonde eu saí para servir o exército em Campinas; já havia passado pela paranóia de ser hyppie e a partir daí, começei a trampar como letrista, ou seja, sem patrão, o que me dava liberdade para ir e vir aonde e quando quizesse, ou seja, tava como eu queria, livre para correr atrás de tudo quanto éra show que acontecia pela região; apesar de estar sempre com pouca grana, afinal esse trampo nunca me deixou rico, nem ao menos viver tranquilo, mas é o que me sustenta até hoje, além da casa, carro, esposa e dois filhos, as brejas...
Os anos 80 foram muito ricos para a música nacional, pois ainda éra muito rara a possibilidade de sermos visitados pelas grandes bandas internacionais (isso até inventarem o CD e a pirataria ficar com o lucro, obrigando as bandas a terem que voltar a viver de shows, não mais só da venda de seus álbuns). Muitos éram os shows pela região e muitas éram as bandas boas que surgiam acompanhando as bandas mais renomadas como Terço, Mutantes e Casa das Máquinas, bandas éssas, que se não me engano, já começavam a fazer água, pois a mídia tinha muita coisa nova para apresentar como Camisa de Vênus, Lulu Santos, Titãs, Kiko Zambianchi, Jane Duboc, Kid Abelha e muito mais, o que estou sitando aqui é um pouco do que tive o prazer de curtir nas casas noturnas de Amparo e região, como por exemplo, na Shok em Amparo e no Batuk em Serra Negra, onde todo mês tinha um show. Além do Made in Brasil, como já contei aqui, assisti 17 vezes, os shows de rock continuavam acontecendo pela região e vira e mexe traziam alguma novidade, bandas como Bixo da Seda, Ave de Veludo, Azul 29. Patrulha do Espaço entre outras que não lembro agora, bandas que eu conheci em festivais de Campinas, Limeira, Mogi Mirim, Itapira, ou seja, em toda nossa região vira e mexe tava rolando alguma coisa, e a gente tava lá, lembro muito bem de um show que rolou em Santo Antonio de Posse, tanto que guardo até hoje um panfleto do mesmo, o show foi em Abril de 81, e o panfleto anunciava que tocariam sons de uma porrada de bandas internacionais, o que mexeu conosco, pois pensamos que se trataria de alguma banda fera fazendo um cover de responsa... bom, lá fomos nós, saimos daqui de carona e mais ou menos lá pelo meio dia já estavamos lá, o show tava marcado para começar só as 10 da noite, porra, o que fazer o dia inteiro naquele ninho, sendo que todo o bando estava de preto e até hoje deve ter criançinha assustada com a nossa figura, com certeza não iria demorar muito para termos problemas com os meganha, foi aí que um do grupo deu a idéia, "aí mulecada, vamos nos enfiar naquele pasto, ficar debaixo daquela mangueira, e pra passar a hora, vamos cheirar cola". O desgraçado tava com uma lata de cola de 1kg. na mochila, adivinha o que aconteceu, ficamos cheirando aquela droga no meio do mato, até a lata acabar, isso já éra umas 10:30 da noite, foi só aí que caimos na real que passamos o dia todo lá, o tonto aqui que vos fala, caiu três vezes da mangueira tentando apanhar uma manga que não existia, ou para existir, teria que ter uma intervenção divina, afinal, éra Abril, e é difícil achar uma mangueira com manga nessa época, concordam...
Bom, fumamos mais uns baseados, enchemos a cara de cachaça e lá fomos nós pro show. Show!!! Cara, se vocês se atentarem para o panfleto em anexo, vão ver lá embaixo, "Som PIAF", entramos no clube e o que tava rolando éra som de tape, é pra deixar qualquer maluco mais maluco ainda, foi quando decidimos, viemos aqui pra curtir um rock, então vamos curtir um rock; fizémos uma rodinha no meio daquela pista que garanto nunca teve igual, deve ter neguinho dolorido até hoje! Amanheceu o dia, todos nós sem grana e sem disposição pra ir até a pista pedir carona, foi quando decidimos pedir dinheiro pra quem passava; até hoje tô impressionado de como aquele povo foi solidário, parecia que eles faziam questão de nos ajudar, alguns queriam até dar a carteira antes mesmo de pedirmos, então rapidamente já tinhamos a grana pra vir embora, o que fizemos, não sem antes assaltar umas bolachas numa padaria local.
1983 começou formidável pra mim, pois afinal de contas, eu teria a chance de assistir um show internacional, trata-se do KISS que tocou no Morumbi. Dois dias antes do show eu já estava em Sampa, na casa de um antigo colega do exército, esse carinha que eu chamo aqui de colega, é o cara que ficou com toda minha coleção de bolachões do Nazareth, mas não é culpa dele, eu é que nunca mais voltei lá pra buscar os mesmos! Esse show marcou muito, não só por ser o primeiro show internacional que assisti, mas também pelo fato de que pra variar, fui pra Sampa com pouco dinheiro, então o ingresso que comprei éra da geral, o pior lugar possível para se assistir um show, praticamente não dá pra ver nada, mas o povão da geral é unido, o povão da geral também é gente, e não ia ficar assim, quando menos se esperava, o povão decidiu invadir e quando aquele povo todo começou a pular pra dentro do foço e invadir o campo; não teve polícia, não teve cachorro que contesse a massa, éra como um tsunami de gente, tinha que pular no foço e já rolar pra frente, senão, pulava outro maluco por cima de você; conclusão da história, assisti ao show do Kiss praticamente da primeira fila!
Mas todo maluco naquela época tinha um sonho, você podia assistir a 500 shows, participar de tudo quanto é festival, mas se você não tivesse assistido a um show do "maluco beleza", nosso querido Raulzito, éra como se houvesse um imenso vazio, éra uma sensação constante de que faltava algo, éra a sensação de que faltava um final, um horizonte, um até que enfim...
Eis que surgiu então mais uma oportunidade de ver Raul Seixas, estou me referindo ao 4º Festival de Àguas Claras em Iacanga, já éra o ano de 1984. Esse festival éra tudo que um maluco queria; rock'n roll, acampamento, bagunça, sexo, drogas, etc... De novo surgia também o problema da grana, afinal Iacanga é pra lá de Bauru, a programação de quem ia éra de ficar cinco dias fora e ainda tinha o lance de comprar o ingresso para entrar na fazenda e eu só tinha dinheiro sufuciente para garantir a viagem de ida e de volta, mas eu não desanimei e encarei a aventura assim mesmo; enchi a mochila de miojo e cachaça e vamos nessa.
Fomos até Campinas de buzão e de pra lá pra Bauru fomos de trem porque ficava bem mais barato. Enchi meu cantil (que tinha roubado no exército) de cachaça e joguei dentro dois comprimidos de artânio, até hoje não sei pra que serve esse comprimido, mas misturado na bebida deixava locopracaraí! A viagem de trem demorou seis horas, e nesse período fomos bebendo meu cantil de cachaça, só que não falei nada pra ninguem que tinha jogado lá dentro os artânios. Fomos bebendo e começou todo mundo a ficar muito loco naquele trem, éra doidera demais só pra dois artânios, foi quando o Dú Lobisomen, um outro maluco falou que tinha jogado uns artânios dentro do cantil; na hora eu já falei "porra meu, eu já tinha colocado dois", foi aí que outro carinha, o Alvaro falou que também tinha colocado uns lá dentro; acho que sou meio lerdinho das idéias até hoje por causa desse cantil!
Chegando lá, não tinha dinheiro pra entrar, pedi então pros malucos entrarem com minha barraca, que eu daria um jeito, rodiei pra tudo lado e aquilo cheio de seguranças, o único lugar que não tinha seguranças éra justamente próximo de um trailer da policia militar, e não deu outra, me escondi atráz do bondinho dos homi, e quando menos se espera, subi no trailer e me joguei pro outro lado do muro; éra eu na fita, dentro do festival!
Encontrei os carinhas e montamos acampamento, não demorou muito, chegou um mavericão preto (é isso mesmo, podia entrar com o carro) e armaram acampamento próximo a nós, éram quatro punks e eles levaram um bixinha junto. Armaram uma barraca grande, onde dormia a maioria deles e do lado uma barraquinha de duas pessoas, que éra o motelzinho onde eles revezavam pra dar um catraco na bixinha; vira e mexe, a barraquinha caía de tanta sacanagem lá dentro. Outro detalhe que não esqueço mais também, aconteceu no riacho que passava pela fazenda, éra lá que todo mundo tomava banho, então éra comum ali, todos estarem pelados ou só com roupas de baixo. Não lembro direito em qual dia aconteceu, mas um dia em que estávamos lá, apareceu um casal, só que a mina do cara éra muito gostosa, de chamar a atenção de todos que lá estavam. O casalzinho foi tomar banho no riacho, e a mina ficou de biquini, mas a galera não se contentou com isso e começaram do nada a falar "tira, tira tira", quando a mina se tocou que éra com éla, não é que ela tirou tudo mesmo, ficou peladinha no meio de todos ( não que já não houvesse outras praticamente nuas )mas aquela éra de cair o queixo... foi um silencio total... ninguem se atrevia a falar mais nada, a mina tomou seu banho, se enrolou na toalha, só aí que a galéra fez a maior festa, gritando e batendo palmas!
Andando por entre as barracas, éra comum ver pessoas se drogando, tranzando, fazendo de tudo mesmo, éra uma loucura, nós mesmos, girávamos as 24 h do dia loucos, mas falando um pouco dos shows, eis que chegou o dia em que ia tocar Raul! A espectativa éra grande, mas deu 23h, hora em que estava marcado o show e nada, meia noite e nada, uma da madruga, nada, praticamente todos já tinham desistido quando exatamente as 2:30h eis que o maluco beleza subiu ao palco, sentou num banquinho, com seu vioção, estava sozinho, sem banda, sem acompanhamento, sem nada, mas éra Raul no palco, nada mais importava... será que nada mais importava mesmo, o danado tava tão louco, que não lembrava a letra das próprias músicas... tentou uma, tentou duas, na terceira tentativa, o povão que já se aglomerava na frente do palco começou a assoviar, outros a reclamar, alguns já até estavam vaiando quando o Raulzito levantou cambaleando do banquinho; mandou todo mundo tomar no cú e saiu do palco, pra nunca mais voltar, isso é tudo que eu vi ao vivo do maluco beleza.
Tony "Tornado" kleeberg...
ResponderExcluirVossa senhoria deveria escrever um livro!
Suas histórias são sensacionais! leio todas, sem excessão, assim que recebo!
Fantástico!